Compós entrevista: Bernardo Schmitt, menção honrosa de dissertação do Prêmio Compós 2025

A Compós entrevistou Bernardo Schmitt, bacharel em cinema pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mestre e agora doutorando em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente, pesquisa a história da exibição cinematográfica e os primórdios do cinema em Santa Catarina. Bernardo é autor da dissertação “O cinematógrafo em Santa Catarina 1897 – 1911”, menção honrosa da categoria no Prêmio Compós de Teses e Dissertações Eduardo Peñuela 2025.

Compós: Eu gostaria de começar perguntando a você, e para a sua trajetória, o que significou o Prêmio Compós?
Bernardo Schmitt: Fiquei muito feliz com o Prêmio. Academicamente, é uma validação da pesquisa e, pessoalmente, porque foi um trabalho que me demandou muito esforço. Eu viajei muito, horas de trabalho em arquivo, trabalho em campo… Então é muito bom ver que, depois de todo esse sofrimento e trabalho para fazer o projeto, o resultado saiu como eu esperava, com uma boa qualidade, uma boa composição, um bom trabalho acadêmico. E também acho que, academicamente, é ótimo ter tanto essa validação da qualidade do projeto, quanto da área em que ele está inserido, ver um trabalho que é do cinema e de uma área específica, que a gente tem chamado de pesquisas em histórias de cinema dentro do conceito do professor João Luiz Vieira, trabalhos que focam em exibição em salas cinematográficas… O meu é realmente um trabalho memorialístico, um trabalho de memória, da relação do público, de entender o cinema enquanto um fenômeno econômico, social e político, e não só sobre os filmes. Então, ver aqui um trabalho dentro dessa área que tem crescido em tempos recentes, ter essa premiação aqui e não só no campo do Cinema. Eu, na minha trajetória, sempre trabalhei dentro dessa área e não necessariamente no campo maior da Comunicação. Ver esse trabalho chegar na Compós foi muito legal.


Compós: A sua dissertação fala sobre os primeiros anos das sessões cinematográficas em Santa Catarina e você acabou de comentar sobre a sua relação com o cinema, mais do que com a comunicação. Como surgiu esse interesse, a vontade de estudar essa história?

Bernardo: Eu sempre me interessei muito por temas específicos da história catarinense, eu sou de lá. Desde a graduação, fiz disciplinas na História em que a gente trabalhou diretamente com fontes primárias, com a Guerra do Contestado… Eu fiz um quadrinho, com edital, em que eu trabalhei a história de uma cidade de Santa Catarina, também com jornais. A ida ao arquivo sempre foi algo que eu gostei muito e é uma metodologia que eu gosto muito. O “estar no arquivo”, ter contato direto com essas fontes, eu sinto que é a parte mais divertida, realmente parece que tu descobres as informações, faz e cria as conexões, confirma ou nega tuas hipóteses. Eu entrei no mestrado com uma pesquisa completamente diferente, eu pesquisava Orson Welles usando um referencial de Foucault e Bakhtin, algo completamente distinto. E numa disciplina de mestrado, ministrada pelo professor Rafael de Luna, a gente estudou o primeiro cinema no Brasil e eu trabalhei com uma base de dados que ele criou junto com o Lupa, o Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual da UFF. Nessa base de dados, eu tive contato com uma junção de vários dados sobre a história do cinema no Brasil, sobre os primórdios do cinema, e eu vi que Santa Catarina tinha pouquíssima coisa. E não só tinha pouca coisa, como eram informações claramente cheias de lacunas, ignorando cidades muito relevantes como Blumenau e Joinville, e, talvez, dando destaque para outras menores. Eram informações pela metade e isso me animou a começar a pesquisar. Aí surgiu um artigo para a disciplina, só que foi crescendo e eu fiquei cada vez mais interessado por essa pesquisa e menos pela que eu entrei com o projeto na UFF. Ao ponto de, depois de um ano, o segundo do mestrado, eu resolvi propor ao meu orientador mudar completamente de direção. Então essa dissertação em si foi escrita no segundo ano do mestrado e aí comecei, consegui viajar até os arquivos e ela foi crescendo, crescendo, crescendo… E eu fui vendo que tinha muita informação a ser encontrada.

Compós: É muito legal você compartilhar isso, sobre os caminhos na pós-graduação. Nem sempre é aquilo que a gente espera, não é? Eles se modificam, eles se transformam.
Bernardo: É… A gente, às vezes, chega no mestrado saindo direto ou depois de um tempo fora da graduação e, talvez, não conhecendo tanto o campo, as possibilidades, o que nos interessa… E vai descobrindo ao realmente estar ali e ver outros trabalhos, pesquisas, o que a gente pode contribuir mais. Às vezes é mais difícil ver isso estando fora da pós, eu acho.


Compós: Em sua pesquisa, você também faz uma viagem pela história de Santa Catarina. Você teve que, literalmente, viajar para fazer essa coleta de dados e olhar esses arquivos. Como você trilhou esse percurso e o fundamentou teoricamente?

Bernardo: É, foi também uma viagem literal e eu tenho sorte que tenho família em alguns cantos de Santa Catarina… Eu comecei pesquisando pela Hemeroteca Digital, mas muita coisa do estado não está disponível ali, principalmente os jornais em língua alemã. Então eu precisei realmente visitar Blumenau, Joinville… Acho que o mais ao sul que eu fui, foi Tubarão, que é uma viagem pelo litoral catarinense. E acho que muito do embasamento histórico vai surgindo da forma como eu enxergo o meu objeto, eu queria ter um entendimento um pouco holístico do cinema, entender ele colocado na sua historicidade. Então, como eu não estou analisando necessariamente como textos cinematográficos e sim enquanto processo, eu precisava entender o cinema inserido na economia do período, entender ele como uma commodity, um produto que está sendo transportado, levado até as pessoas, comprado e vendido como um serviço. Entender o surgimento dessas salas de cinema e a forma como o cinema se organiza enquanto espetáculo. E para isso tinha que entender a economia de Santa Catarina, a formação urbana e a transformação do espaço geográfico do estado. Acho que são questões em que Santa Catarina é diferente do resto do Brasil, principalmente em relação à imigração. O contingente imigratório em Santa Catarina é muito expressivo se a gente comparar com a população que existia no estado antes e os imigrantes alemães tinham uma forma de alterar o território, de construção desses centros urbanos, que era muito diferenciada. Então foi crescendo a partir disso e eu fui vendo que eu precisava, cada vez mais, de informações. Entender, por exemplo, como funcionava o transporte fluviário do estado, que era o principal modo como esses produtos e as pessoas chegavam de um lugar até o outro… Muito diferente se minha pesquisa se passasse em São Paulo, em que eu precisaria entender como funcionava o sistema de trens, que é muito mais expressivo lá. Então, pelas especificidades do meu objeto e por tentar entender ele dessas formas sistemática e holística, eu fui cada vez mais procurando coisas, procurando ler a literatura econômica do estado, literatura da sua geografia. E aí surgem as principais dificuldades, acho que tem muita coisa a ser escrita sobre Santa Catarina e muita coisa que foi difícil de encontrar. Principalmente na parte da história cultural, é muito difícil encontrar outras pesquisas grandes sobre a história do teatro, do esporte, das sociedades recreativas, de outras culturas recreativas. Então, era difícil ter esse comparativo direto, eu tive que ir procurando literaturas cada vez mais distintas.


Compós: Você fez uma coleta de dados muito robusta, em um trabalho minucioso e de um esforço em olhar esses arquivos e documentos. Quais foram os principais desafios?
Bernardo: Acho que eu sou uma pessoa, talvez, naturalmente desorganizada. Foi um desafio grande no processo e a minha sorte, também muito grande, é que eu tenho muitos amigos e colegas de Santa Catarina na área da História. Então eu consegui pegar várias dicas e ideias de como moldar isso porque o principal desafio foi, realmente, dar conta do volume de dados. Eu fui vendo que, até diferente de outras regiões do Brasil, a preservação das minhas fontes de Santa Catarina era muito boa, os arquivos existem há muito tempo e tem uma boa qualidade de preservação lá, aí o processo realmente foi a dificuldade de contabilizá-las. Talvez, quase todo o tempo que passei no arquivo, eu passei montando bases de dados. Uma ideia, que veio de um colega da História, foi de colocar todas essas minhas fontes num sistema de base de dados, que é o Tropy. Acho que chegaram a quase 600 entradas, de jornais específicos, e aí eu precisava trabalhar com bastante teoria da base de dados… Colocar neles diversas qualidades distintas, os metadados, quem é o exibidor, qual é a região, qual é a sala de cinema… Para poder, depois de ter catalogado todos esses documentos, começar a fazer perguntas para a base de dados, criar questões, ver por que tal região tem tantas exibições e a outra não? Começar a traçar as rotas desses exibidores… Foi um esforço de sistematizar todas essas informações, primeiro ir aos arquivos encontrá-las e aí já tem um trabalho grande porque tem arquivos em microfilme, em jornal ou digitalizado. O microfilme é o meu formato predileto, tu consegues trabalhar mais rápido, apesar de ser o mais fisicamente doloroso. É muito ruim ficar na cadeira por seis, sete horas por dia, mas é o que tu consegues fazer até mais coisas com mais velocidade… Outra dificuldade era a tradução, eu trabalhei muito com jornais em alemão escritos em fraktur, que é a grafia alemã antiga e que é muito diferente de como as letras são escritas no alemão moderno ou no português. Então, às vezes, eu usava tradutores online para me auxiliar e eles tinham dificuldade em usar o fraktur, era todo um aprendizado da língua, das formas de decodificar essas fontes depois de sistematizá-las. E aí, depois de todo esse trabalho, a escrita foi o que fluiu mais rápido. Depois que fiz todo esse trabalho de campo e a sistematização, a escrita foi feita de forma bem tranquila.


Compós: Sobre os resultados, o que você considera mais relevante? Ou um achado que lhe surpreendeu e que você acha que convidaria nossos leitores a conhecer sua pesquisa?
Bernardo: Acho que, talvez, o que mais me surpreendeu ou me impressionou foi o volume, a quantidade de informações que a gente tem sobre Santa Catarina e que não estão ou não estavam disponíveis. Eu diria isso porque, como eu falei, quando eu comecei a trabalhar com a base de dados, tinham pouquíssimas entradas e informações. E agora que eu atualizei a base com as informações da dissertação, Santa Catarina eu acho que é o terceiro ou quarto estado com mais informações, só perde para Rio de Janeiro e São Paulo em um período. O que, quando tu pensas historicamente, é uma informação que não faz sentido. Certamente, Pernambuco, Bahia, Paraná e Rio Grande do Sul, por exemplo, são estados que eram muito maiores que Santa Catarina e que vão ter mais informações. Então me impressiona o tanto de informações que ainda está disponível nesses arquivos que não estão digitalizados em pequenas e médias cidades, não necessariamente nas capitais de todo o Brasil, não só Santa Catarina, e o quanto a gente tem ainda a descobrir sobre esse período da história do cinema brasileiro. Certamente tem muita coisa que ainda não foi trazida à luz, não foi trazido à tona por pesquisadores dessas regiões e que podem contribuir para a gente pensar a história do nosso cinema de forma mais nacional, mais brasileira e menos focada no eixo Rio-São Paulo, que tem dominado a história do cinema brasileiro. Acho que tem muita, muita coisa para ser encontrada. E também tem muita coisa sobre Santa Catarina que pode servir para outras pesquisas, não só em cinema, mas em outras áreas. Esses jornais, por exemplo, que eu tenho impressão que faz anos e anos que eles não são consultados ou que eles não são trabalhados em pesquisas, como eu falei, sobre esporte, teatro e outras facetas da história cultural de Santa Catarina, mas ainda tem muita coisa a ser encontrada.


Compós: A última pergunta é sobre a sua trajetória na pós. O que você gostaria de falar e de compartilhar sobre a sua experiência no mestrado e, agora, no doutorado?
Bernardo: Eu estou no doutorado agora, seguindo a pesquisa, mas essa pergunta eu tenho mais dificuldade de pensar no que tenho pra falar. Eu acho que a minha trajetória foi direta, eu fui da graduação para o mestrado e agora eu já estou no doutorado. Um pouco do que eu aprendi é não ter medo de seguir os meus interesses, de mudar completamente de caminho e ver que, mesmo às vezes com o tempo um pouco diminuído, é possível continuar. Eu acho que, se eu tivesse focado em fazer o que comecei antes, eu teria feito uma pesquisa pior. Porque eu não teria o interesse que tive, não teria seguido o que realmente queria pesquisar… E eu fui deixando ela crescer, a dissertação acabou tendo 300 páginas. No doutorado, eu estou continuando essa pesquisa temporalmente, ainda estudando a história do cinema de Santa Catarina, só que agora eu quero ir até meados do século 20 nesse trabalho de exibição. A pós-graduação é um espaço que tu consegues experimentar e aprender, nesse espaço acadêmico, a formação enquanto pesquisador e pesquisadora. Tanto das metodologias, como funciona o trabalho, conseguir realmente ir de forma muito precisa, minuciosa e específica nesses temas que são importantes pra gente. Eu acho que, se é um tema importante para ti, se é um tema que desperta o teu interesse diretamente, a pós é muito importante. Tu aprendes a trabalhar esse interesse e fazer uma contribuição genuína à sociedade em geral e à academia e ao nosso conhecimento enquanto cidadãos brasileiros. Contribuir também com o seu interesse enquanto pesquisador e enquanto pessoa. Acho que esse é um espaço para desenvolver isso.


Compós: Muito obrigada, Bernardo, pela sua disponibilidade e pela sua entrevista. Agora eu deixo o espaço aberto para você.

Bernardo: Alguns agradecimentos já fiz na dissertação, mas eu quero sempre reiterar o agradecimento à minha família, que me deu um apoio gigantesco. Eu estou muito longe de casa, fazendo esse mestrado e esse doutorado há alguns anos, então tem sido um apoio constante. Também ao meu orientador, o professor Fabián Magioli Nuñez, que esteve presente em todas as fases da pesquisa… Quando ela era uma coisa e quando ela mudou, ele quem me ajudou e me deu confiança para realmente trocar para um trabalho que é muito diferente do que ele pesquisa tradicionalmente. Acho que foi um desafio para ele, certamente, e ele foi excelente nessa mudança. Um agradecimento aos meus colegas do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da UFF, o PPGCine, que tem trabalhado com o professor Rafael e professora Talitha nessa área das histórias do cinema, esse campo que a gente tem construído juntos, que tem produzido cada vez mais trabalhos de muito fôlego e tem se estabelecido dentro da história do cinema brasileiro.