A Compós entrevistou Simone Munir Dahleh, brasileira e descendente de palestinos, publicitária formada pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa), mestra e doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e autora da tese vencedora do Prêmio Compós de Teses e Dissertações Eduardo Peñuela 2025, intitulada “A trama tecida por mulheres palestinas: relatos biográficos dos usos táticos de tecnologias digitais”.
Compós: Nossa primeira pergunta é justamente sobre o reconhecimento da sua pesquisa. Como foi receber o prêmio de melhor tese neste ano?
Simone Munir Dahleh: Foi muito inesperado e um momento muito feliz da minha vida, tanto pessoal quanto acadêmica, porque a gente se dedica tanto para um trabalho, ainda mais quando mexe contigo pessoalmente, por algum motivo, pela questão política que a Palestina passa durante tanto tempo e que está passando atualmente. Então fiquei muito feliz por isso, porque eu senti que além da minha pesquisa estar sendo reconhecida, a causa Palestina teve um foco na nossa área da Comunicação, para os pesquisadores… Muitos colegas e professores se informam sobre a Palestina, mas é algo muito distante ainda. É difícil ir atrás de uma questão que está mais distante de nós. Então quem está aqui no Ocidente acaba se informando por meio das mídias hegemônicas. E quando eu trago uma pesquisa que vai ressaltar justamente o que as mulheres comuns da Palestina estão falando sobre a causa e isso ganha um foco, as pessoas vão ler a pesquisa, se interessam em procurar, nem que leiam só um capítulo, mas se interessam de algum modo… Eu fiquei muito emocionada com isso, levei essa notícia para a minha família que está lá na Palestina, para os meus amigos e isso dá um gás muito bom para a temática, para a nossa vida pessoal. Eu fiquei muito orgulhosa do trabalho que eu fiz. Ser reconhecida assim foi a cereja do bolo, foi um marco muito importante para minha vida e para a causa Palestina, principalmente.
Compós: Você olha na sua tese para os usos táticos das tecnologias digitais por mulheres palestinas aqui no Brasil. E eu lembro que, quando você recebeu o prêmio no 34º Encontro Anual da Compós, você falou um pouco sobre a importância desse assunto, não só na academia, mas na sua vida pessoal. Você poderia falar mais sobre como surgiu esse tema?
Simone: Eu tenho origem palestina, eu e toda a minha família. Eu sou descendente de palestinos, o meu irmão nasceu lá, minhas irmãs e meus pais nasceram no Brasil, mas a gente morou um tempo da nossa vida, minhas irmãs até a idade adulta e depois foram morar em Chicago. Mas a conexão com a Palestina foi desde que eu me conheço por gente. Primeiro eu me identifiquei como uma mulher palestina, palestina-brasileira, para depois ir entendendo mais. Mas eu sempre vivi nessas duas culturas, nessas duas origens. E, claro, enquanto sujeito, eu fui constituindo a minha consciência estando na Palestina, porque me alfabetizei lá, da 1º à 4º série, por mais que a gente falasse o português em casa, eu estava na escola aprendendo árabe, a escrever em árabe, rezando… A gente é ingressado ali no Islã desde pequenininhos porque é algo cultural, a religião é muito forte para os árabes. Então eu sempre convivi com a cultura, a culinária, a língua árabe. E também observando a opressão israelense que é forte até os dias de hoje, que atinge a vida de todos os palestinos. Só não atinge quem nunca teve contato, nunca se interessou em saber sobre o assunto, porque afeta a vida de todos. Estar lá e ver os israelenses tomando as ruas, fazendo toque de recolher, apontando um fuzil para tua cara. Eu era uma criança e eles não têm nenhuma distinção com mulher, criança, os mais vulneráveis… Vão tratar todo mundo assim, de uma forma animalesca, como se a gente fosse um nível abaixo deles. Isso sempre me marcou muito. E imagina uma criança, que está descobrindo o mundo, observar tudo aquilo? Por mais que a gente, enquanto criança, não tenha discussões políticas (porque obviamente não vai se conversar isso), eu sempre observei aquilo e sempre me incomodou, porque incomoda. Tu vês que eles estão fazendo alguma coisa errada e aí “por que eu tenho que deixar minha escola para ir correndo para casa?”, porque eles estão tomando as ruas… “Mas o que eu tenho a ver com isso? Eu só quero estudar!”, mas eu tenho que parar e ir correndo para casa… E te vira se tu vais conseguir chegar em casa bem, inteira, é isso aí. Então aquilo sempre me incomodou até a gente voltar aqui para o Brasil. A gente tinha casa e loja em Porto Xavier, vendemos tudo e voltamos para Palestina porque a ideia era a reunião familiar, que todos fossem morar lá para ficarem juntos. Minhas irmãs maiores ficaram lá e eu, meu irmão e minha mãe viemos para o Brasil para resolver as coisas. Nisso que a gente tentou reingressar na Palestina, deu um problema com o visto da minha mãe e nós fomos deportados. Eu tinha uns 9 anos, meu irmão bebezinho, uns 2 ou 3 aninhos, e eu vi o jeito que eles falavam com a gente numa salinha do aeroporto, cheia de câmeras, como se a gente fosse presidiário, como se nós fôssemos atacá-los (enquanto eram eles que estavam nos atacando de vários modos). E aí meu pai tentou fazer todo o trâmite para que a gente ingressasse pela Jordânia, mas não deu certo e a gente foi deportado. Então voltamos ao Brasil com um soldado israelense no mesmo avião, cuidando para a gente não fugir. Essas coisas me marcaram muito profundamente e eu sempre quis falar disso de algum modo porque as pessoas têm muita desinformação com a questão Palestina. De fato chega pouca notícia para cá e muita notícia distorcida. É difícil a comunicação e a mídia serem fortes lá na Palestina, por toda a censura que também existe no território. Eu sempre tive muita vontade de falar e também por uma curiosidade pessoal de estudar mais sobre a minha origem, entender a raiz daquilo porque antes do doutorado eu não sabia. “Por que aconteceu aquilo no meu território?”, eu não sabia porque dominavam a Palestina. Depois de estudar, eu entendi a causa e o quanto é complexo. Então foi muito importante para mim a tese num âmbito pessoal. No mestrado, uma pesquisa mais curta, eu não quis desenvolver esse tema porque eu sabia da complexidade e da riqueza que poderia explorar. Então eu trabalhei com questões de gênero e entrevistas, mas um tema diferente sobre o empoderamento feminino e esse feminismo mais voltado ao consumo, que sempre me interessaram. Eu já estava me preparando para a pesquisa do doutorado e aí eu falei “agora é o momento, eu vou estudar as migrações, as mulheres palestinas também”. Quando a gente vai para o estado da arte, se existem poucas pesquisas sobre o povo palestino, existem menos ainda sobre as mulheres. “Não, eu vou focar nas questões de gênero e vou mostrar que as mulheres palestinas têm força, autonomia, são políticas, engajadas”. As pessoas, por mais estudadas que sejam, vão ter aquela ideia que as mulheres palestinas são submissas porque elas usam lenços, não trabalham, não estudam… Eu quis romper com esse estereótipo. Trabalhando e falando com essas mulheres, eu me surpreendi com muitas coisas porque eu fui me constituindo enquanto criança, daí depois a gente meio que se afasta um pouco dessas questões culturais. Eu me reconectei com isso, ficava muito feliz quando ia para os encontros com as interlocutoras porque elas me traziam coisas muito ricas. Elas tinham muita vontade de falar porque também querem romper com esses estereótipos sobre nós. Isso eu achei incrível, o jeito que eu consegui mostrar esses relatos. Eu ficava muito feliz quando via, por mais que desse muito trabalho aquela quantidade de falas, elas falando super motivadas.
Compós: Você traz em sua pesquisa, e também na sua fala, tanto estudos sobre a questão Palestina quanto estudos de gênero. Como foi conciliar esses dois caminhos?
Simone: Quando eu comecei, eu fui trilhando um caminho. Conforme eu ia estudando uma coisa, iam surgindo outros caminhos que eu tinha que percorrer. Eu começo ali pensando que eu tenho que trabalhar com os relatos biográficos porque eu quero dar ênfase para essas pessoas. Depois, eu vou trabalhar com os relatos de gênero, com a questão das mulheres. Eu estava pensando esses dias, eu começo a pesquisar com a ideia que as questões de gêneros iriam ser centrais na minha pesquisa, só que a questão Palestina é tão forte para nós que ela ganhou foco. Eu tinha uma ideia: queria falar mais sobre as questões de formação familiar, dos estudos, das mulheres. Isso também aparece, mas não com uma força tão grande quanto a questão política, porque é isso o que faz parte de 90% da nossa vida. Quando elas me trazem os relatos, eu vejo que eu preciso mudar o foco. Por isso que a parte política da Palestina ganhou tanta força no trabalho e a de gênero não, por mais que uma coisa esteja completamente conectada com a outra. Eu utilizo autoras que trabalham com gênero, que falam de migração, da religião no processo da diáspora, mas é indiscutível a força que a questão Palestina ganhou no trabalho e no relato delas também. Então a gente não pode separar dos relatos outras questões muito importantes que apareceram e se sobressaíram. No final das contas, a tese traz essa questão de romper com os estereótipos sobre as mulheres palestinas, que acaba sendo um dos objetivos, mas porque elas trazem outras coisas muito valiosas, como as questões de articulação política, de estarem estudando, rompendo barreiras que as suas famílias seguiam e elas não querem seguir com os filhos. Questão de trabalho, de ter o seu próprio dinheiro, ter a profissão que quer, às vezes tem uma loja, um restaurante, mas ela quer ser dentista. Ela é dentista porque quer ter o dinheiro dela para poder viajar. O gênero está em todo o trabalho, mas ele não virou principal. A gente conseguiu, com a força dos relatos, ir articulando outras questões que também eram muito importantes, como as políticas e outras que ficaram em foco.
Compós: Os relatos dessas mulheres palestinas vão se mesclando com a sua própria história, com a sua origem. Como foi conversar com elas? E a partir desses relatos, como foi construir o seu corpus de análise, que por sinal é muito bonito e muito rico.
Simone: Conversar com as mulheres foi a parte mais divertida da pesquisa. O momento em que a gente se encontrava era de entrega total. Tanto meu (acredito que mais meu, óbvio, porque eu tenho que estar muito atenta às observações e reações delas), mas elas também estavam muito entregues. Foi fácil de marcar, e eu fiquei surpresa porque eu tive mais dificuldade de marcar as entrevistas no mestrado. No doutorado, eu me apresentava quando ia entrar em contato com elas, falava o meu nome, minha origem, a minha história, o objetivo da pesquisa, o porquê eu queria conversar com elas… Eu acho que isso inevitavelmente facilitou o meu contato com elas, sabe? Não seria impossível se eu não fosse de origem palestina fazer a pesquisa, mas eu acho que tendo essa vivência isso cria uma conexão. Justamente por a gente ter que se manter por essa questão do território, da origem. É o que nos conecta enquanto povo porque a gente não tem mais a terra que é nossa! Se a gente não se conectar com as pessoas palestinas, se não quiser contar a nossa história, isso vai se perder com o tempo. E eu acho que essas mulheres sabiam e sabem disso, e faziam questão de ficar horas falando comigo. Eu tive uma entrevistada que teve mais de 4 horas de material bruto. A gente conversava com ela no café, ela me falava um pouco da vida dela… Elas tinham vontade de contar e eram temas que faziam parte da vida delas. Eu não perguntava nada assim de extraordinário. Era da rotina delas, da história que elas tinham passado em determinado momento e, obviamente, eu sempre estava pronta para os ganchos. Eu fiz um roteiro que tinha mais de 100 perguntas e a gente dividiu em 2 encontros, na maioria das vezes eu sempre estava pronta para emendar outro assunto. Se eu visse que uma questão podia render mais, eu perguntava sobre aquilo, não estava preocupada com a questão de tempo. Muita gente, quando faz entrevista, fica “ai meu Deus, está falando muito, vai ficar muito extenso, eu vou ter muito trabalho”. Para mim não, depois eu via o que eu ia fazer para transcrever, mas era um momento muito bom e elas se entregavam porque povo palestino tem vontade de falar. Qualquer pessoa palestina que tu for conversar, eles vão fazer questão de contar sua história, a história da família, das dificuldades que eles passaram, do êxito que eles tiveram. Parece que a gente sempre achava uma conexão, tanto de parentesco quanto de amizade, de conhecer minha tia lá da Palestina, de conhecer minha mãe… E nisso, sem querer romper a minha bolha, eu rompi. Só que quando eu fui fazendo as entrevistas, eu vi que a gente estava conectado por algum elo porque a Palestina é um local que não é tão extenso assim. A gente acabava se conhecendo das vilas, de falar “tu estás a quantos minutos de tal lugar? Porque eu moro em Beitunia, minha tia em Safa”. E quando a gente achava essas conexões, parece que dava mais vontade de falar. “Tô aqui conversando com alguém que me entende, com alguém que está interessado de fato no que eu tenho para falar”. E eu acho que isso foi muito legal para pesquisa, para trazer esses relatos tão cheios de detalhes.
Compós: Se você tivesse que escolher um resultado da sua tese que você acha interessante, que te surpreendeu, que te tocou… O que você gostaria de compartilhar com os leitores?
Simone: Tem muitos resultados que eu acho interessante e até o modo que eu organizei isso mostra a complexidade do trabalho. Eu não consegui fazer um texto que não fosse separado por itens porque tinha muita coisa e eu não poderia excluir nada. A questão da escolaridade, da força política delas, da articulação política. Elas eram coordenadoras dos diretórios palestinos da sua cidade, ativistas, estavam em Brasília debatendo a questão Palestina. A questão da centralidade delas na família, no trabalho da família também. Muitas mulheres administravam a loja com os maridos, mas quando a gente vai ouvir o relato, elas têm um papel central nas finanças, em escolher. A força e o papel central das mulheres palestinas nessa comunidade eu acho que são um dos resultados mais interessantes porque quebra justamente essa barreira com quem não tem informação sobre o povo palestino, uma informação adequada, relevante, não a informação rasa que a gente vai encontrar. Eu até cito isso na minha tese, uma vez fui com uma amiga num bar e com a irmã dela, que eu não conhecia. A gente estava conversando sobre a pesquisa, recém estava começando a pensar na ideia, e aí ela me fala “ai, mas me responde uma coisa, por que as mulheres são obrigadas a usar aquele lenço naquele calorão, sabe? Não, mas eu acho um pecado. Não, não, eu não concordo”. Eu tentei explicar para ela que era uma questão religiosa, que não era uma opressão, as mulheres escolhem usar ou não o hijab. Então tem relatos ali que são lindíssimos do uso do hijab. Como que acontece o processo delas, porquê elas escolhem ou não usar, quando elas se sentem preparadas, a vontade de usar ou não… Ali, no discurso delas, nenhuma foi obrigada, inclusive a filha de uma interlocutora, pequenininha, quis usar e a mãe dela falou “não, está muito cedo. Tu moras no Brasil, vão te julgar”… Porque é uma criancinha indo de hijab para o colégio, só que aquela criança cresce e vai olhando em torno dela, vai participando das aulas de religião. A mãe usa, a tia e a amiga usam. Eu quero também fazer parte disso, é a minha religião, é o que a minha família cultiva, eu quero manter isso. E é tão bonito, sabe? E as pessoas não querem interpretar. É triste, é puro preconceito. “Aquela pessoa é diferente de mim, ela está sendo oprimida”, sendo que a violência no Brasil contra as mulheres é cada vez mais alta. Conforme eu ia ouvindo, eu também tinha vontade de pesquisar outras coisas que elas me traziam, coisas novas. Uma interlocutora que fala do “sistema israelense de segurança”, entre muitas aspas, que eu não conhecia, ou a mulher que fala sobre a taxa de feminicídio no Brasil ser muito mais alta do que na Palestina… Essas coisas que eu não tinha ideia e as mulheres vão me trazendo e eu vou pesquisar para colocar como um dado na tese. Se eu vejo uma pessoa dessas falando “Ah, mas por que as mulheres são tão tristes? Estão oprimidas” e eu mostro a minha pesquisa para elas e os dados aqui do Brasil, ela não vai ter argumentos. Então eu acho que isso foi o maior resultado, mostrar a força dessas mulheres, a articulação política delas, tanto na comunidade Palestina, na família, quanto para a questão política em si. E acho que é o maior resultado que a tese poderia trazer para ser compartilhada com a sociedade.
Compós: Para encerrar, gostaria de perguntar como foi para você estar na pós-graduação? O que estar fazendo essa pesquisa te proporcionou? Que mensagem você teria para outras pessoas que estão entrando na pós agora?
Simone: Bom, eu peguei ali os dois primeiros anos de doutorado na pandemia, então eu não cheguei a ter nenhuma aula presencial. Isso foi bem marcante porque, principalmente no primeiro ano, a gente ficou meio perdido. “O que eu vou fazer? Eu devo ficar parada ou continuar a pesquisa? Eu devo ler ou não preciso me preocupar com isso porque tem coisas sérias acontecendo no mundo?”. No doutorado, são quatro anos que a gente pode se dedicar à nossa pesquisa, então, a gente precisa aproveitar o tempo. E eu acho que tem que pesquisar alguma coisa que nos motiva. Quando eu estava dando aula na UFSM, eu falava assim “a gente tem que ter alguma motivação para estudar. Não adianta fazer uma pesquisa só porque eu preciso do título”. Primeiro, não vai ficar com vontade de pesquisar. Segundo, vai ser uma tortura fazer a pesquisa porque todo dia vai falar “ai, não acredito que eu tenho que ler sobre isso de novo”. Quando tu se interessa pelo tema e começa a procurar coisas, se torna curioso sobre aquele tema. Quanto mais coisas te incomodam e tu tens essa dedicação de anotar, de abrir um arquivo e escrever tuas ideias, eu acho que mais rico vai ficando o trabalho. Então, primeiro eu acho que seria estudar alguma coisa que nos motiva. Pode ser uma questão pessoal, uma questão que te incomoda muito, que tu não entendes porque acontece daquele jeito, uma hipótese que quer mostrar para as pessoas, alguma coisa que te toca de algum modo. E segundo, ter uma dedicação como se fosse um compromisso diário. Muitas vezes a gente está na pós e acha que tem liberdade para escrever só quando a gente quer, quando está feliz e motivado. Não, é um processo com dedicação, um trabalho que tem que cumprir horas. Se a gente quer reconhecimento como trabalho, a gente tem que fazer com que aquilo aconteça. Eu sempre fui regrada, nem que eu não fosse render muito, mas eu tinha aquele hábito de acordar em determinado horário, mesmo que eu não fosse para UFSM ter aula, sentar, ler alguma coisa, abrir o arquivo, escrever meu rascunho. Obviamente, às vezes não tinha o que fazer. A tua cabeça está muito cansada, principalmente quando começou o genocídio na Palestina… Por mais que a gente tenha essa rotina (e os primeiros anos de doutorado são de muitas leituras e fichamentos), é importante as anotações, uns parênteses, conforme a gente vai lendo, tendo insights, ideias… Mas o momento que a gente vai escrever o texto mesmo é no último ano. Então eu estava no auge da escrita da análise e acontece um fato marcante para mim e para minha pesquisa. Foi um momento muito duro, enquanto pesquisadora e enquanto sujeito muito afetada com aquele tema. Eu me paralisei por um momento e depois teve a morte de um poeta, que eu trago na minha tese, aquilo me deu um balanço, sabe? Me sacudiu e falei “tu tens que fazer essa pesquisa, porque está falando dos relatos orais dos palestinos, que é a única coisa que a gente tem que manter viva, para manter a história Palestina viva, a gente não tem mais território, os israelenses estão exterminando o povo palestino”. Olha o que eles fizeram com a faixa de Gaza, com as pessoas palestinas… A última notícia da minha família foi que eles estavam botando portão entre uma cidade e outra. Vocês tem noção do que é isso? O israelense precisa ir lá abrir o portão para te passar de uma cidade para outra, para trabalhar, para voltar… É uma humilhação diária, uma falta de respeito, uma exclusão da nossa história que a gente não pode deixar que aconteça. Então, a única forma que a gente tem de manter a Palestina viva é com a narrativa palestina, a narrativa do povo, daqueles que viveram lá desde sempre, que estavam lá muito antes da nakba. Eu vi a importância do trabalho que eu estava fazendo e a responsabilidade que eu tinha. Foi um momento que eu não tinha mais nada para fazer além de escrever a minha tese, não deixar nenhuma brecha solta para alguém falar alguma coisa não condizente, alguém ficar lá com o seu preconceito porque ficou uma dúvida. Então foi um momento que eu escrevia, ia atrás de teoria, complementava os buracos porque eu não poderia deixar nada solto. Fluiu a escrita, fluiu a vontade de fazer um bom trabalho e eu acho que a valorização dessa tese foi justamente porque eu escrevi com a responsabilidade que eu tinha com a questão Palestina. Não foi para ganhar o título de doutora, para ganhar prêmio, para terminar um trabalho por terminar. E eu acho que quando a gente faz alguma coisa assim, com muita vontade porque tem uma causa maior, isso é valorizado. Eu fiz um trabalho para mostrar a questão Palestina e a força e a opressão que a gente sofre. Então foi por isso que teve o reconhecimento da tese, porque foi feita com muita verdade, com muita vontade de mostrar aquilo. Não foi só um texto acadêmico, foi uma força que eu busquei trazer e mostrar para as pessoas.
Compós: Muito obrigada pela entrevista, Simone. Pelo seu tempo e disponibilidade para conversar conosco sobre a sua pesquisa. Agora eu deixo o espaço aberto para você.
Simone Munir: Queria te agradecer por esse momento, pela tua escuta. Eu acho que as perguntas foram bem adequadas, deu para falar bastante. Para sempre vou ter o que falar da tese, mas eu acho que ficou bem completo. Queria te agradecer mesmo pela tua escuta.
Você pode ler a tese vencedora na íntegra, acessando este link