Jeyciane Elizabeth Sá Santos, menção honrosa do Prêmio Compós de Teses e Dissertações Eduardo Peñuela de 2023

Em nossa última entrevista, a Compós conversou com Jeyciane Elizabeth Sá Santos, mestra pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação/ Mestrado Profissional da Universidade Federal do Maranhão (PPGCOMPRO/UFMA), e graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela mesma universidade. Jeyciane possui interesse em temáticas que envolvem comunicação, movimentos sociais, trabalho escravo e direitos humanos. Participa da Pós-Graduação em Metodologias para o Ensino da Educação Profissional e Tecnológica (IESF) e da Formação Pedagógica em Letras (UniFaveni). Ela trabalha com a produção de documentários e é pesquisadora desde 2016, momento em que iniciou as vivências como integrante nos estudos sobre Representações do Trabalho Escravo a partir da Mídia.

Sua história acadêmica é premiada: em 2017, obteve o 1º lugar no Seminário de Iniciação Científica (SEMIC/UFMA) com sua monografia sobre trabalho escravo e comunicação. E em 2023, recebeu a menção honrosa do Prêmio Compós de Teses e Dissertações Eduardo Peñuela com a dissertação “Proposta de plataforma digital para o enfrentamento ao trabalho escravo contemporâneo no Maranhão”. Jeyciane foi orientada pela Prof.ª Dr.ª Flávia Moura.

Compós: Eu não posso deixar de perguntar a você o que significou para a sua carreira, tanto no âmbito acadêmico, como profissional, receber a menção honrosa do Prêmio Compós de Teses e Dissertações Eduardo Peñuela 2023?

Jeyciane: Receber a menção honrosa do Prêmio Compós foi uma honra incrível. Significou reconhecimento pela dedicação ao meu trabalho, além de me ajudar a entender que fazer o que faço é o que move minha vida. O resultado dessas experiências me levam a querer continuar atuando como jornalista apaixonada pela pesquisa acadêmica, com olhar direcionado ao meu grande sonho que é produzir documentários.

Compós: A sua pesquisa é super importante e trata de um tema muito sério em nosso país, que é o trabalho escravo. Ainda hoje somos impactados com notícias sobre pessoas que foram resgatadas, empresas que foram descobertas com pessoas em situação de escravidão ou análogas à escravidão. Como foi pesquisar esse tema?

Jeyciane: Pesquisar sobre o tema trabalho escravo contemporâneo é sempre desafiador e impactante. Existem diversas pesquisas que aprofundam olhares em questões complexas como ouvir histórias de sobreviventes para entender as nuances culturais, econômicas e políticas que perpetuam essa realidade. Quando decidi estudar o assunto em 2016, eu queria fazer diferente e fazer de uma forma que envolvesse o entendimento de como a rede de combate se organiza para pautar o assunto na mídia; e ao mesmo tempo, aumentar a conscientização sobre esse problema. Durante o Mestrado Profissional, pensei a Comunicação como estratégia para a garantia dos direitos humanos. Neste sentido, a existência de um lugar na internet com informações reunidas sobre o trabalho escravo contemporâneo pode proporcionar melhores condições para produzir pautas, organizar campanhas além de direcionar esses conteúdos à imprensa e até mesmo para o acesso às políticas públicas. É fato que muitas dessas organizações atuam em todo território maranhense, mas não possuíam um local que contribuísse para a comunicação dessa memória. 

Compós: Eu gostaria que você falasse um pouco sobre o que é o trabalho escravo contemporâneo, para quem não está familiarizado com o tema e ainda não teve a oportunidade de ler a sua dissertação.

Jeyciane: Segundo o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, o trabalho escravo contemporâneo é caracterizado pelos seguintes elementos: trabalho forçado; jornada exaustiva; condições degradantes e servidão por dívida. O trabalho forçado se configura como um tipo de exploração em que ameaças, violência física ou psicológica são utilizadas para manter a produtividade. Na jornada exaustiva, ocorre a obrigação de realizar tarefas além do que o corpo permite, sendo submetido à sobrecarga de trabalho que desconsidera o tempo de descanso necessário para recompor a força. As condições degradantes são caracterizadas principalmente pela violação do direito fundamental, notadamente, os dispostos nas normas de proteção do trabalho e de segurança, higiene e saúde. Muitas vezes quem está submetido a essa situação tem a dignidade violada, sendo obrigado a viver em alojamentos precários, com alimentação insalubre ou mesmo a ausência dela, falta de saneamento básico e até água potável. A servidão por dívida prende o trabalhador ao local de trabalho. Nela, existem dívidas ilegais referentes à cobrança de taxas, como o transporte até o local do serviço, gastos com alimentação, inclusive compra de ferramentas de trabalho, tudo com o preço acima do que foi estabelecido no mercado. No dia do pagamento, o dinheiro que deveria ser entregue permanece no bolso do patrão. Esse contexto de exploração é comum, sobretudo, nas regiões rurais do país. Por exemplo, locais onde trabalhadores e trabalhadoras convivem com diversos tipos de vulnerabilidade social e econômica que, associadas à pobreza, desemprego e violência facilitam a ocorrência do trabalho escravo.

Compós: Voltando a falar da sua pesquisa, ela é construída a partir da análise documental, do trabalho de campo e de entrevistas semiestruturadas. É um conjunto robusto de técnicas para uma pesquisa de mestrado. Quais foram os seus desafios durante esse processo?

Jeyciane: É uma pergunta interessante porque para respondê-la é necessário fazer uma retrospectiva que mostra o quanto as dificuldades foram significativas para pensar as funcionalidades da plataforma da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo do Maranhão (COETRAE/MA). Inicialmente, a ideia que apresentei ao Programa de Pós-graduação em Comunicação/ Mestrado Profissional da UFMA era desenvolver um repositório de informações para reunir e facilitar a busca pela temática “escravidão contemporânea no Maranhão”. Com o andamento da pesquisa, ocorreram diversas adequações, sobretudo, após a falta de informações para organizar os dados. O repositório é uma estratégia voltada para a visibilidade e alcance da temática, mas observei ao longo da pesquisa relatos sobre as dificuldades de comunicação dentro da própria rede. Então, como pensar o alcance das informações sendo que o problema começa na base? Ou seja, há necessidade de articular a comunicação das organizações que participam da COETRAE/MA, para assim tornar mais eficiente pautar o assunto na sociedade. O grande desafio foi como pensar a comunicação quando o principal problema identificado é comunicar. A partir disso, chegou-se ao modelo de plataforma que vai além da visibilidade do assunto. É uma estratégia que valoriza a memória da Comissão, dando destaque à sua trajetória, além de reunir processos e serviços que buscam aproximar a rede de combate maranhense, a partir da comunicação. 

Compós: Um dos pontos mais relevantes, na sua pesquisa, é a proposta de uma plataforma para reunir as informações sobre o combate ao trabalho escravo. Como foi construir essa proposta e você já tem algum retorno sobre a sua aplicabilidade?

Jeyciane: Pensar a parte prática da plataforma para reunir informações sobre o combate ao trabalho escravo no Maranhão foi uma fase bastante empolgante da pesquisa. Envolveu identificar lacunas nas atuais estratégias, considerar as necessidades dos diversos participantes da COETRAE/MA para desenvolver uma solução viável. Apesar do modelo ter sido adotado pela Comissão, no que diz respeito à aplicabilidade da proposta ainda é cedo para fornecer um feedback concreto, já que a implementação e adoção de uma plataforma desse tipo geralmente envolvem vários estágios e considerações. No entanto, espero que a proposta tenha o potencial de ser útil para organizar e compartilhar informações relevantes, fortalecer a colaboração entre diferentes atores e tornar ações mais eficazes no combate ao trabalho escravo. Estou muito feliz por acompanhar todo o processo, o desenvolvimento e a implementação dessa proposta, espero que a ideia possibilite resultados significativos para o avanço dos esforços no combate ao trabalho escravo.

Compós: Sua pesquisa fala muito sobre o papel das instituições e também sobre o papel da comunicação no combate ao trabalho escravo. Como você avalia a atuação da imprensa, dos veículos de comunicação e dos comunicadores sobre esse tema? 

Jeyciane: A atuação da imprensa, dos veículos de comunicação e dos comunicadores desempenha um papel crucial no combate ao trabalho escravo contemporâneo. Eles têm o poder de aumentar a conscientização pública, pressionar por mudanças políticas e sociais, e expor casos de exploração laboral. No entanto, a avaliação da atuação da mídia sobre esse tema pode ser mista. Alguns veículos de comunicação têm compromisso ao investigar e relatar casos de trabalho escravo, destacando suas causas e consequências, e promovendo debates sobre soluções eficazes, como é o caso da ONG Repórter Brasil. Esses esforços são fundamentais para manter o assunto em destaque na agenda pública e política. Por outro lado, há desafios, como a sensacionalização, a falta de aprofundamento nas causas estruturais do trabalho escravo e a reprodução de estereótipos que prejudicam quem vivencia esse tipo de crime. Além disso, a cobertura muitas vezes é irregular, concentrando-se em casos de alto perfil e negligenciando áreas e setores menos visíveis. No geral, a imprensa e os comunicadores têm um papel importante a desempenhar no combate ao trabalho escravo, e é essencial apoiar e incentivar uma cobertura responsável, ética e abrangente sobre o tema.

Compós: Agradecemos pela sua participação e generosidade em compartilhar seu tempo conosco. Sua pesquisa é relevante não apenas pelo tema, mas por nos mostrar um caminho possível dentro da Comunicação. Fique à vontade caso queira compartilhar algo mais com a nossa audiência.

Jeyciane: A premiação, além de possibilitar que nossas pesquisas alcancem um público cada vez mais significativo, também proporciona trocas de saberes que agregam pensamentos diversificados. A Compós é inspiração para outras iniciativas que reconhecem o trabalho acadêmico por meio de premiações, digo isso porque as pesquisas selecionadas comprovam o quanto quem organiza acredita nas ideias inovadoras. Me sinto muito realizada por observar o número significativo de mulheres premiadas que rompem com o padrão de quem, até então, poderia produzir ciência. Como mulher negra, da periferia de São Luís, primeira universitária da família, mestra e cotista, eu fico feliz para sempre por saber que o meu nome também é um marco na trajetória da Compós.

Acesse este link e leia a dissertação de Jayciane Elizabeth Sá Santos na íntegra.