A Compós entrevistou Igor Lucas Ries, doutor e mestre em Comunicação e Linguagens (Universidade Tuiuti do Paraná), graduado em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda (UniBrasil) e em Licenciatura em Pedagogia (UniBagozzi), e autor da tese vencedora do Prêmio Compós de Teses e Dissertações Eduardo Peñuela 2024. Sua pesquisa, intitulada “Somos Autistas”: uma cartografia afetiva de enunciados de neurodivergentes no Instagram, investiga como autistas utilizam esta rede social para expressar suas demandas, mobilizar vulnerabilidades e buscar reconhecimento de sua autonomia.
Compós: Para iniciar a nossa conversa, gostaria de perguntar qual é a importância, ou o impacto, do Prêmio Compós em sua trajetória? Seja no âmbito profissional, acadêmico e/ou pessoal.
Igor Lucas Ries: O Prêmio Compós representa, para mim, um reconhecimento muito significativo em múltiplos âmbitos. No plano profissional, ele fortalece a minha atuação junto às diversidades, atestando sua relevância para o campo da Comunicação e para os estudos sobre neurodiversidade e redes sociais. Essa premiação amplia as possibilidades de interlocução com outros pesquisadores e instituições, potencializando parcerias e desdobramentos futuros. No âmbito acadêmico, é a validação de uma trajetória de pesquisa comprometida com metodologias sensíveis e com a escuta de sujeitos historicamente silenciados. O prêmio reafirma a importância de se pensar a comunicação a partir das experiências liminares, das subjetividades e dos afetos. Pessoalmente, esse reconhecimento tem um valor imenso, pois celebra também uma caminhada profundamente implicada, que nasce do amor e da experiência concreta de ser pai de uma criança autista. É, portanto, um marco que entrelaça minha vida pessoal, minha militância e minha atuação como pesquisador, renovando meu compromisso ético e afetivo com a pauta da neurodiversidade.
Compós: E como a sua experiência pessoal, como pai de uma criança autista, influenciou a escolha do tema e a abordagem da pesquisa?
Igor: Minha experiência como pai do Davi foi determinante, tanto na escolha do tema quanto na forma como conduzi a pesquisa. A convivência diária com o autismo me sensibilizou para as questões de reconhecimento, estigma e autonomia que atravessam a vida dos sujeitos neurodivergentes. Foi essa experiência que despertou em mim o desejo de compreender mais profundamente os modos como pessoas autistas constroem e compartilham seus discursos nas redes sociais. Ela também determinou uma abordagem metodológica que não fosse apenas analítica, mas principalmente afetiva, ética e implicada. Como pai e pesquisador, compreendo que não ocupo o lugar do autista nem falo por eles, mas posso e devo me colocar numa escuta sensível, respeitosa e responsável. Por isso, adotei a cartografia afetiva como metodologia, reconhecendo que a minha trajetória pessoal é parte constitutiva do processo investigativo. Foi através dela que consegui acolher a potência política e transformadora dos discursos autistas, sem perder de vista que minha posição é a de alguém que aprende, se afeta e se compromete.
Compós: Quais foram os desafios metodológicos, e da cartografia em especial, em um estudo sobre autismo e redes sociais?
Igor: O principal desafio metodológico foi conciliar a complexidade e o volume dos dados empíricos com uma abordagem que privilegia a escuta afetiva e a atenção às subjetividades. A cartografia, enquanto método que segue o rizoma e opera por constelações, exige uma disposição para o percurso, para a incerteza e para os desvios. O que, por vezes, é difícil num campo que também demanda sistematicidade e rigor. Além disso, o contexto das redes sociais digitais, especialmente o Instagram, apresenta especificidades técnicas e éticas importantes: o acesso aos perfis, a negociação dos termos de consentimento, e a necessidade de respeitar profundamente a privacidade e as intenções comunicacionais dos sujeitos autistas. Outro desafio foi manejar as próprias afetividades que emergem no processo investigativo, já que, sendo um pesquisador implicado, precisei acolher as afetações que os discursos e experiências dos sujeitos pesquisados provocaram em mim, transformando-as em elemento constitutivo da análise e não em obstáculo. A cartografia, nesse sentido, revelou-se não apenas uma técnica, mas uma postura ética de pesquisa, que exigiu entrega, vulnerabilidade e um compromisso constante com o respeito à alteridade.
Compós: Sobre as constelações temáticas, quais foram as mais recorrentes nas publicações analisadas? E como elas refletem as demandas e vulnerabilidades dos autistas?
Igor: As constelações temáticas mais recorrentes foram: (1) Protagonismo e modo de ser, (2) Capacitismo e violências, e (3) Autismo adulto, profissão e outras relações.
A constelação “Protagonismo e modo de ser” foi a mais expressiva, refletindo a potência dos sujeitos neurodivergentes em se autodefinirem e narrarem suas experiências com autonomia. Esses enunciados manifestam a busca por afirmar um modo de ser autista, resistindo às tentativas de normalização ou apagamento. Já a constelação “Capacitismo e violências” evidencia as marcas das violências simbólicas e estruturais sofridas por essas pessoas, especialmente no que tange à invisibilização, ao estigma e aos preconceitos interseccionais. É um espaço de denúncia, mas também de redefinição, onde os sujeitos confrontam os esquemas normativos de julgamento que os afetam. Por fim, a constelação “Autismo adulto, profissão e outras relações” traz à tona questões relacionadas à vida adulta, à inserção profissional, à afetividade, à espiritualidade e ao lazer, mostrando que os sujeitos autistas reivindicam o reconhecimento pleno de sua autonomia relacional e da legitimidade de seus modos de vida. Essas constelações refletem, portanto, as vulnerabilidades enfrentadas, mas também as estratégias de resistência e as demandas por justiça, reconhecimento e inclusão.
Compós: Olhando agora, com a distância que só o tempo pode proporcionar, de que maneira a sua pesquisa contribui para a discussão sobre neurodiversidade e autonomia no contexto brasileiro?
Igor: A minha pesquisa contribui para a discussão sobre neurodiversidade e autonomia ao oferecer uma cartografia sensível dos modos como sujeitos autistas, no Brasil, produzem e compartilham seus discursos nas redes sociais, especialmente no Instagram. Ela evidencia que esses sujeitos não são apenas destinatários de políticas públicas ou diagnósticos clínicos, mas protagonistas de processos comunicacionais que buscam transformar a estrutura das vulnerabilidades que os afetam. Ao analisar como, por meio de suas enunciações, eles questionam normas, reivindicam reconhecimento e elaboram novas condições de autonomia, a pesquisa fortalece o movimento da neurodiversidade como um campo político e cultural. Além disso, ao articular referenciais internacionais sobre neurodiversidade com o contexto brasileiro, marcado por desigualdades e um histórico recente de políticas públicas para o autismo, o estudo amplia as bases para um debate local mais sensível às especificidades e às demandas dos autistas brasileiros. Por fim, acredito que a pesquisa contribui também ao propor uma metodologia de investigação comprometida com a afetividade, a ética e a escuta, que pode inspirar outros estudos dedicados a compreender as experiências e lutas de sujeitos historicamente silenciados.
Compós: Muito obrigada pela entrevista, seu tempo e disponibilidade para participar e conversar conosco sobre a sua pesquisa. Deixo o espaço aberto para você agora.
Igor: Ter recebido o prêmio foi, para mim, um reconhecimento profundamente marcante, que não posso deixar de celebrar com gratidão e afeto. Agradeço, de maneira especial, à Compós, pela forma com que valida não apenas o rigor acadêmico, mas, sobretudo, aposta em metodologias sensíveis, comprometidas com a escuta de sujeitos historicamente silenciados. Este prêmio amplia as possibilidades de diálogo e reafirma a importância de pensar a comunicação a partir das experiências e afetos que nos atravessam. Estendo meu agradecimento ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens da UTP, que acolheu e estimulou a construção desta pesquisa, oferecendo o suporte e a liberdade necessários para que ela pudesse florescer com ética e rigor. De modo muito especial, meu afeto e minha gratidão se voltam para o Davi, meu filho, cuja existência iluminou e determinou a escolha desta caminhada investigativa. Foi dele que partiu o impulso inicial, a sensibilidade e o compromisso que orientaram esta tese; ele é, sem dúvida, a razão mais profunda desta trajetória. Agradeço também à Rafaella, minha companheira e mãe do Davi, por toda a sua dedicação, força e parceria ao longo deste percurso, que não seria possível sem o seu apoio incondicional e amoroso. Por fim, agradeço, com respeito e admiração, a todas as pessoas autistas que participaram da pesquisa e que, cotidianamente, protagonizam essa arena discursiva, desafiando normas e criando novas possibilidades de existência e reconhecimento. Esta tese é, antes de tudo, um testemunho da potência transformadora de suas vozes.
Você pode ler a tese vencedora na íntegra, acessando este link.