Nos dias 21 e 22 de junho de 2023, pesquisadores de todo o País estiveram reunidos em São Paulo no I Workshop da área de Comunicação e Informação sobre Regulação de Plataformas Digitais, organizado pela COMPÓS e pela RNCD (Rede Nacional de Combate à Desinformação), com patrocínio do CGI.br (Comitê Gestor de Internet) e apoio do PPGCOM da ECA/USP, do coletivo Intervozes e da ANCIB.
O evento contou com mesas de debate sobre regulação das plataformas digitais no Brasil e processos de regulação na UE, AL e Brasil e grupos de trabalho sobre caminhos para o enfrentamento à desinformação, regulação sobre responsabilização e outras obrigações das plataformas digitais e desafios regulatórios frente ao modelo de negócio das plataformas.
Das discussões, resultou o documento final intitulado “Regular é garantir direitos e democracia”, que ainda está aberto a adesões de associações e entidades da área.
Documento final resultado do I Workshop da área de Comunicação e Informação sobre Regulação de Plataformas Digitais
Regular é garantir direitos e democracia
Diagnóstico
A regulação da comunicação é uma reivindicação histórica da sociedade brasileira, atualizada no contexto de ascensão das plataformas digitais. Entre os principais pontos a serem observados em termos da necessária e urgente regulação das plataformas de comunicação está a dimensão do modelo de negócio com o qual elas atuam.
O modo de atuação das plataformas se define, prevalentemente, a partir de complexas ativações tecnológicas que resultam na transformação das mais diversas atividades humanas em dados, processados por sistemas algorítmicos e transformados em produtos negociados no mercado publicitário, a exemplo da mídia programática. Como mencionado no Manifesto Regula Já, essas corporações “extraem a produção de conteúdo de seus usuários como produto a ser organizado e ofertado em fluxo de dados”. Assim, elas organizam a circulação dos conteúdos, interferindo diretamente no debate público.
Por isso, é preocupante e agudo o processo de concentração nos modos de atuação comercial e da oferta de serviços dessas empresas. Se, por um lado, os dados gerais como hábitos de consumo e mesmo da vida social dos usuários são expostos, por outro, esses modos de atuação fazem com que os usuários se tornem cada vez mais reféns desses gigantes grupos transnacionais.
Some-se a essa opacidade dos negócios das plataformas, a intocabilidade em termos não apenas de regulação, mas de outros privilégios que vão desde a apropriação não remunerada de conteúdos produzidos por terceiros – como os conteúdos jornalísticos -, passando pela questão da precarização do trabalho, à falta de clareza sobre os métodos e critérios de precificação de seus serviços e produtos e, principalmente, na necessária revisão das lacunas de tributação de bilionários lucros que obtêm.
Subordinadas à lógica do capital financeiro, as plataformas concentram riquezas nas mãos de poucas corporações dos Estados Unidos, gerando enorme desigualdade entre os países e afetando a soberania das nações. Combinando disponibilidade de recursos e controle de dados, elas têm se expandido para os mais diversos setores, passando a controlar das infraestruturas às aplicações.
O modelo de negócios das plataformas digitais traz outras consequências danosas à sociedade, pois corrobora com a ação de grupos interessados na desinformação sistêmica que circula nas redes sociais e por aplicativos de mensageria. A desinformação causa desentendimento político, desestabilização institucional e um cenário de ampla circulação de desinformação, que tem levado à hesitação vacinal, entre outros riscos e danos à saúde e à integridade física de jovens, crianças e pessoas vulneráveis.
A desinformação se investe de discurso de ódio que convoca afetos negativos, aciona o racismo, a xenofobia, a homofobia e a transfobia, o machismo e a misoginia e tem provocado violência simbólica, em muitos casos concretizada em violência física, assassinatos, feminicídios, dentre outras. Isso fere, expressamente, as minorias sociais, tais como mulheres, negros, indígenas e populações LGBTQIAP+ que são justamente as populações mais propensas a terem seus direitos humanos violados, não somente o direito à informação. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que o homicídio de pessoas negras cresceu 7,5% em 2021. Na mesma medida, a mesma pesquisa mostrou que o feminicídio cresceu, no país, 5% no ano de 2022 em relação à 2021 – Desse total, 62% são mulheres negras. Ainda em 2022, o Brasil registrou 256 mortes violentas à população LGBTQIAP+. A cada 34 horas, uma pessoa LGBTQIAP+ morre de forma violenta.
A desinformação também tem sido protagonista da destruição ambiental em nosso país. A divulgação recente da crise do povo Yanomami, assim como, o avanço do desmatamento da Amazônia legal reflete ações no território que muitas vezes são comandadas e orquestradas a partir de estratégias comunicativas que se estruturam em redes sociais e aplicativos de mensageria.
Esse tipo de conteúdo espalha mentiras utilizando-se de estética e de composições discursivas que simulam práticas jornalísticas. Desse modo, o jornalismo é outra vítima do fenômeno desinformacional, sofre ataques diretos a seus valores e à sua reputação.
A integridade informacional (ONU, 2023) e a concretização de uma convivência digital saudável perpassam muitos ambientes e iniciativas públicas e privadas e pressupõem que todos os atores envolvidos sejam responsáveis.
Os problemas que temos vivenciado, a crescente intervenção das grandes plataformas digitais no debate público, a falta de celeridade e descumprimento do que determinam em seus termos de serviço e políticas de privacidade sinalizam que a autorregularão praticada até o momento não é suficiente para promover um ambiente democrático no Brasil. Diante disso, diferentes setores da sociedade reivindicam uma regulação pública democrática como avanço a um ambiente digital mais saudável que proteja cidadãos e assegure autonomia e direitos aos usuários. Este debate não é uma particularidade do país. Diferentes países da Europa, Canadá, por exemplo, já avançaram em modelos regulatórios.
Atualmente, está em curso um avançado debate no Congresso Nacional, em torno do Projeto de Lei 2.630, que traz elementos centrais para o início de uma regulação como responsabilização e transparência. A definição de uma regulação pública democrática, portanto, deve considerar o acúmulo de debate ao longo de mais de três anos para a constituição do texto a ser votado, mas também com a sociedade e academia. Experiências exitosas que mostram que o diálogo aberto entre diferentes setores pode acarretar um resultado profícuo não faltam no campo da comunicação como a constituição do Marco Civil da Internet, referência mundial e o da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
Acreditamos ainda que o debate não se encerra na aprovação do projeto de lei. Ele será um marco importante ao que entendemos por uma regulação democrática de conteúdo, mas, também econômica das plataformas a ser discutida de maneira mais que urgente. São urgentes ações no âmbito da atuação legislativa, jurídica, governamental, acadêmica e dos movimentos sociais.
Agora, é necessária e premente a regulação das plataformas digitais, coadunada com outras importantes políticas públicas que possam conjuntamente mitigar o avanço do ambiente desinformacional no território brasileiro. Sobretudo, é fundamental que o Brasil regule as plataformas, apontando para um projeto próprio de desenvolvimento nacional e popular que trate das transformações sociais profundas associadas às tecnologias.
Sugestões
– Construir uma regulação baseada em princípios e que organize a prestação desses serviços, por meio da construção de um modelo regulatório com participação social;
– Avançar na regulação em debate neste momento no Congresso Nacional, afirmando também políticas que enfrentem o monopólio das big techs, por exemplo, por meio da separação estrutural e funcional do modelo de negócio delas;
– Organizar a prestação de serviços pelo setor privado a partir de princípios de interesse público;
– Atuar pela regulação pública e estatal a partir da criação de um escopo legal que coíba os excessos, sensível à necessária atualização constante das leis com vistas a agir em potenciais riscos sistêmicos.
– Focar na formação de lideranças comunitárias, professores e agentes de combate à desinformação para atuar não apenas no ambiente digital, mas também nos territórios locais, levando em consideração que a exclusão digital ainda é uma realidade no Brasil.
– Ponderar que a desinformação não está condicionada apenas a um problema de falta de educação ou de conhecimento científico, mas diz respeito a valores e crenças, o que requer estratégias adequadas para permitir que os cidadãos reflitam e transformem suas práticas.
– Considerar que, além de um Plano Nacional para o ensino ao enfrentamento à desinformação, o tema da saúde necessita de uma atenção especial de moderadores especializados, que saibam lidar com a informação científica, tendo em vista as consequências da desinformação na saúde pública brasileira.
– Viabilizar uma legislação cujas normas pleiteiem transparência, responsabilização solidária por conteúdos nocivos e ilegais recomendados e impulsionados, assim como, o cuidado e o respeito ao cidadão usuário.
– Fomentar, a partir do Estado, outros tipos de plataformas, de caráter público e comunitário, construindo infraestruturas, desenvolvendo aplicações e garantindo o acesso a serviços cada vez mais fundamentais.
– Especificamente, tendo em vista o debate em curso em torno do Projeto de Lei 2.630, consideramos importante que o texto trate de: i) avançar na compreensão da responsabilidade solidária das plataformas, especialmente em relação a todo conteúdo impulsionado; ii) inserir no projeto de lei uma definição mais objetiva de risco sistêmico, tendo em vista os critérios e o papel de órgãos reguladores e Judiciário; iii) ampliar acesso a informações por meio de relatórios periódicos, contemplando ações sobre a atuação em cenários de riscos sistêmicos, sistemas de ordenamento, recomendação e remoção de conteúdo; e dados mais detalhados sobre número de usuários das plataformas, contas removidas e suas justificativas, localização das contas, e outros dados a serem escrutinados a partir de uma análise; iv) garantir condições de acesso gratuito e pleno para universidades, institutos e centros de pesquisa à Interface de Programação de Aplicativos das Plataformas Digitais (API); v) exigir localização em território nacional de dados coletados da população brasileira; vi) ampliar previsão de medidas de letramento digital da sociedade arquitetura regulatória, apontando mecanismos como órgão regulador para que a lei seja eficaz, avançando também na garantia de participação social.
Instituições/Associações/Coletivos/Núcleos e Grupos de Pesquisa que assinam o documento:
- Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação- COMPÓS
- Rede Nacional de Combate à Desinformação – RNCD
- Federação Nacional das Associações Científicas e Acadêmicas da Comunicação-SOCICOM
- Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências da Informação-ANCIB
- Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura- ABCIBER
- Associação de Pesquisadores em História da Mídia – ALCAR
- Associação Brasileira de Pesquisadores e Comunicadores em Comunicação Popular, Comunitária e Cidadã – ABPCom
- Associação Brasileira dos Pesquisadores em Publicidade-ABP2
- Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política-COMPOLÍTICA
- Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo-ABEJ
- Associação Brasileira dos Professores de Italiano -ABPI
- Associação Brasileira de Ensino de Biologia-SBEnBio
- Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação- INTERCOM
- International Center for Information Ethics- ICIE
- União Latina da Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura-ULEPICC- Brasil
- Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
- Iandé Comunicação e Educação
- Instituto Devir Educom
- Direito à Comunicação e Democracia-DIRACOM
- Rede de Estudos e Pesquisa em Folkcomunicação -Rede Folkcom
- Rede de Estudos da Ciência da Informação sobre Desinformação-RECIDES
- Rede de Competência em Informação- Rede COINFO
- Grupo de Pesquisa em Comportamento e Competências InfoComunicacionais -INFOCOM-
- UFRGS
- Núcleo de Pesquisa em Jornalismo e Comunicação- NUJOC-UFPI
- Laboratório de Mídias Digitais e Internet-MIDI
- Centro de Pesquisas e Produção em Comunicação e Emergência-EMERGE
- Laboratório de Humanidades Digitais da UFBA (LABHDUFBA)
- Centro de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Política (CTPol-UnB)
- Grupo de Pesquisa em Economia Política do Audiovisual – UFRN
- Grupo de Pesquisa Desinfomídia – UFSM, RNCD
- OBSCOM/CEPOS e JDL
- Observatório da Comunicação Pública – OBCOMP
- Programa Mão na Mídia: educomunicação e cidadania
- Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania- CCDC- UFBA
- COAR
- LaPCom/UNB
- Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho (CPCT/ECA-USP)
- Labjor/ Unicamp
- Grupo de Pesquisa InovaCom (PPGCOM-UFPA)
- Assinaturas de pesquisadores:
- Marialva Carlos Barbosa (UFRJ)
- Vilso Junior Santi (PPGCOM-UFRR)
- Allysson Martins, Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
- Raquel Souza Lobo Guzzo – Psicologia
- César Bolano (UFS)
- Ana Regina Rêgo – UFPI
- Ercio Sena – PUC Minas
- Elisabetta Santoro (USP)
- Leandro Duso -UFSC
- Edna de Mello Silva (Unifesp)
- Rogério Christofoletti – UFSC
- Aianne Amado ( ECA/USP)
- Prof. Adilson Vaz Cabral Filho – Comunicação Social da UFF –
- Clotilde Perez – USP
- Alexandre Arns Gonzales (Pesquisador Colaborador Voluntário do IPOL/UnB)
- Janaine Aires, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
- Marina Grandi Giongo (Pesquisadora colaboradora Niem UFRGS)
- Ismar de Oliveira Soares, ECA-USP
- Nina Santos – INCT.DD
- Carmen Regina de Oliveira Carvalho (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)
- Nelson De Luca Pretto – Professor da Faculdade de Educação – UFBA
- Marco Schneider- Ibict e Uff
- Helena Martins (UFC)
- Janine de Kássia Rocha Bargas (Facom/Unifesspa)
- Verlane Aragão Santos – UFS
- Nélia Del Bianco (Universidade de Brasília)
- Maria Cristina Gobbi (ABPCom/Alaic)
- Arthur Coelho Bezerra (IBICT)
- Cristiane Parente de Sá Barreto ( IESB e UnB )
- Rodrigo Moreno Marques (UFMG)
- Robson Santos Costa – UFRJ
- Luciana Menezes Carvalho
- Djuli Machado de Lucca – Professora do Magistério Superior – (UNIR)
- Gabriela Andrietta-
- Juliana Fernandes Teixeira (UFPI-UFC)
- Fábio Canatta – PUC RS e UFRGS
- Rafael Evangelista – Labjor/Unicamp
- Fábio Soares da Costa – UFPI
- Leonardo F. Nascimento (LABHDUFBA)
- Paulo Victor Melo – ICNOVA FCSH
- Felipe Saldanha – diretor de Comunicação– SOCICOM
- Marcos José Zablonsky
- Jussara Borges – UFRGS
- Lillian Maria Araújo de Rezende Alvares, Universidade de Brasília
- Ariane Carla Pereira (Unicentro/Intercom)
- Vânia Lisboa da Silveira Guedes (UFRJ)
- Carlos Shigueki Oki (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia)
- Ranielle Leal Moura – Universidade Estadual do Piauí- UESPI
- Fiorenza Zandonade Carnielli – UFRGS
- Simão Farias Almeida (UFRR)
- Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
- Gabriela Pereira Melo- doutoranda – POSCOM UFSM
- Gabriela Belmont de Farias – Universidade Federal do Ceará (UFC)
- Thífani Postali Jacinto – Universidade de Sorocaba
- Suzana Barbosa (FACOM | UFBA)
- Guilherme Moreira Fernandes (UFRB)
- Keila Zaniboni Siqueira Batista – professora universitária
- Mirna Tonus, Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
- Cláudia Herte de Moraes (UFSM)
- Juliano Domingues -UNICAP e INTERCOM
- Marcelo Träsel – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
- Heverton Lacerda GPJA/UFRGS
- Marli dos Santos (FCL)
- Marta Thaís Alencar Cosme
- Marcos Urupá (UnB)
- Esteban Zunino (CONICET/UNCUYO)
- Jonas Valente – Oxford Internet Institute
- Venicio A. de Lima, Professor Emerito, Universidade de Brasilia
- Cláudia Nonato (CPCT/ECA-USP)
- Graça Caldas – Labjor-Unicamp
- Milene Migliano Gonzaga – UFRB
- Cris Guimarães cirino da Silva (InovaCom/UFPA
- Francisco de Assis (ESPM)
- Elaide Martins (UFPA)
- Marcos Dantas (ECO-UFRJ)
- Roseli Figaro ECA-USP e COMPÓS