Compós entrevista: Rômulo Oliveira Tondo, menção honrosa de tese do Prêmio Compós 2024

A Compós entrevistou Rômulo Oliveira Tondo, doutor em Comunicação (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), mestre em Comunicação e graduado em Comunicação Social – Jornalismo (Universidade Federal de Santa Maria), e autor da tese que recebeu a menção honrosa do Prêmio Compós de Teses e Dissertações Eduardo Peñuela 2024. Sua pesquisa, intitulada “Recepção de campanhas de prevenção ao suicídio entre jovens universitários”, investiga a comunicação dessas campanhas, sua recepção pelo público-alvo composto pelos estudantes universitários de medicina, e a cocriação de uma campanha interinstitucional.

Compós: A primeira pergunta, que tenho feito a todos os entrevistados, é qual a importância deste reconhecimento para a sua trajetória?

Rômulo Tondo: Ter o reconhecimento dela foi algo que é um divisor de águas, né? Uma associação que congrega todos os programas de pós-graduação do Brasil inteiro e a tua tese é reconhecida, por uma série de mecanismos. O impacto social, questões metodológicas e propriamente o impacto que ela tem dentro da comunidade científica… Eu acho que a Compós ela assina, reconhecendo que aquela pesquisa tem relevância para o teu campo, e ter essa assinatura é algo extremamente relevante. A gente passa por um duplo crivo, dentre as demais pesquisas que tiveram no meu programa de pós-graduação. E, depois, quando a Compós divulgou os vencedores, eu não acreditava. Você faz a pesquisa porque tem um envolvimento com o social… No meu caso, eu tive um tio que teve morte por suicídio, né? E a minha pesquisa, ela tem esse envolvimento com as campanhas de prevenção ao suicídio, tem um impacto social muito latente, tem um envolvimento que também é o afetivo. Assim, como seria o Rômulo de 15 anos atrás se tivesse uma campanha que pudesse alertar sinais de adoecimento mental e que poderiam, de certa forma, fazer com que tu tivesses um olhar maior sobre aquela situação que ocorreu? Eu acho que a Compós fez também com que eu retomasse algo que tinha adormecido em mim, que é fazer pesquisa. E como que eu, enquanto pesquisador da Comunicação, posso melhorar a vida das pessoas? Como isso reverbera nas minhas pesquisas, mas também nos projetos de extensão que eu desenvolvo? Atualmente eu desenvolvo um projeto sobre desinformação e saúde mental coordenado pela professora Luciana Carvalho, da UFSM… Com certeza, eu ter ganhado a menção honrosa fez com que outras pessoas também descobrissem meu projeto. Essa conexão, que a Compós propõe no Congresso em si, de congregar pesquisadores com alto impacto… E eu tenho que agradecer a Compós por isso, porque eu ainda continuo falando sobre a minha tese em 2025.


Compós: Você já falou um pouco sobre isso,  que é uma questão também pessoal, mas o que te motivou a escolher esse tema, especialmente entre os jovens universitários?

Rômulo: Eu sempre falo porque quando a gente propõe uma pesquisa na seleção de doutorado, nem sempre fica com um orientador que você escolheu, né? Eu tive a grata satisfação de ser orientado por uma pessoa que eu escolhi, mas eu não pesquisava recepção. As minhas experiências são multidisciplinares, no TCC e no mestrado. No mestrado eu trabalhei com etnografia que me fez olhar o outro a partir do prisma da Antropologia, que é importante para nós que fazemos recepção. A gente está sempre preocupado para a produção de sentidos que um sujeito faz a partir de um produto midiático. No doutorado eu ia dar continuidade à minha pesquisa de mestrado, mas a minha orientadora conversou comigo. Nisso, circulou num e-mail da Compós um artigo sobre um estudo estadunidense falando que houve um aumento, no grupo de jovens do sexo masculino, de suicídios entre quem tinha consumido a série “Os 13 porquês”. E daí a gente pegou o texto para ler e falou assim: “não é assim, não é uma reação porque você assistiu alguma coisa”. E isso casou muito bem porque a gente tem uma vertente extremamente culturalista, de perceber na cultura o que está acontecendo para que as pessoas tenham um comportamento. E ela falou assim “tá, por que a gente não estuda as campanhas de prevenção ao suicídio?” E eu fiquei muito pensativo. Será que eu tenho capacidade de ter uma tese que vai falar sobre campanhas? E a partir daí eu comecei a ler sobre publicidade. E se for analisar, desde o TCC eu trabalho com o discurso publicitário, né? Eu falo pra Elisa (Piedras). Eu super fui orientado por ela. Eu fui o primeiro orientando de doutorado dela, então foi uma experimentação também para ela. No doutorado é um período de maturação muito grande, enquanto pesquisador, enquanto ser humano, e tu cria um laço. E voltando a questão, ela falou: “Rômulo, a gente entende de Comunicação, a gente não estuda Saúde”. Por mais que eu também tenha condições teóricas, a gente precisava de alguém da Saúde e surgiu o Pedro (Magalhães), meu coorientador, que é psiquiatra, professor do Programa de Pós-graduação em Psiquiatria. Então, ao mesmo tempo que eu tinha uma pesquisa, participava do grupo de pesquisa da Elisa e do Pedro, e ainda participava de projetos de extensão na área de saúde mental. Eu fiz parte de um projeto que é o Pega Leve, da faculdade de Medicina da UFRGS, mas que tem como principal foco trabalhar com a saúde mental para o estudante universitário. E eu saí totalmente transformado da minha experiência porque eu sou uma pessoa que me cobro muito em todos os aspectos, e na pesquisa me cobrava também. E daí eu aprendi uma palavrinha mágica que é autocompaixão. Nesse ambiente de produtividade da pós-graduação, como que eu posso ter a minha experiência de pós-graduando, de doutorando, participar de algumas equipes de trabalho dentro do programa, e a tese ter um resultado como teve, né? Então a Elisa, a experiência dela de maternar, de ser mãe, ela colocava assim: “nós temos que nos encontrar, produzir nesse tempo, porque quando eu chego em casa também tenho que cuidar de uma outra Elisa, que é uma mãe, que tem outras posições”. E eu me lembro que eu estudava, eu era bolsista, a CAPES me permitiu que eu ficasse imerso na minha pesquisa das 8h ao meio-dia, das 14h às 18h, e ela falou assim “é esse o teu tempo de pesquisa, depois vai viver a tua vida. São 4 anos da tua vida aqui, tu tens que aproveitar enquanto pesquisa, mas tu não podes esquecer do Rômulo”. E eu não esqueci do Rômulo. E depois que a gente conversou com o Pedro, a gente fez a pesquisa em 3 anos. A gente já tinha toda ela pronta, analisado todos os dados e tudo mais, e faltava o último ano. E aí Elisa olhou para mim e falou assim: “tu lembras que você queria fazer alguma coisa propositiva? Então vamos fazer”. A fase propositiva da minha tese, que é a campanha que circulou, aconteceu no terceiro ano. A gente teve tempo para fazer uma coisa inovadora. O próprio estudo já é inédito sem ela, mas analisando as campanhas e a recepção dos estudantes de medicina, a gente falou assim “vamos propor uma cocriação, chamar os alunos, chamar os professores e chamar técnicos de saúde dentro da UFRGS para construir a campanha”. E foi muito legal, ela não teve um impacto maior porque foi bem na época das eleições do último presidente, o governo federal solicitou que as universidades federais trancassem os perfis e criassem um provisório, nem todo mundo seguiu o perfil provisório… Mas mesmo assim, quando a gente fez a análise com o público sobre a campanha, ele superou, tanto que em 2023 a UFRGS solicitou que eu fizesse a campanha de novo.


Compós: E quais foram as principais descobertas? Os principais achados, as suas impressões mais surpreendentes? É algo relacionado a recepção dos estudantes?

Rômulo: A gente quer ser o mais plural possível. Na Universidade a gente vê no rosto das pessoas, no corpo das pessoas essa pluralidade. A gente queria que os nossos sujeitos de pesquisa, os nossos interlocutores fossem plurais também e a gente trabalhou com bola de neve, então a gente não sabe quem são as pessoas que vão, porque é por adesão. A gente teve pessoas negras, pessoas LGBT, pessoas cis… Inclusive com questões financeiras, de classe. A gente também compreende que o curso de medicina é muito elitista dentro do nosso país. Então a gente também teve uma pluralidade de interlocutores na casa do estudante universitário que precisavam de políticas públicas para permanecer dentro do curso, né? Com relação à recepção, foi muito interessante e isso compactuou um pouco com que a gente observava. Nos textos que eram internacionais, se o teu público é plural as mensagens, as imagens têm que ser plurais, tudo tem que ser plural. Não adianta circular um anúncio publicitário com uma pessoa branca para uma comunidade que é quilombola. E quando ela está em sofrimento, quando ela olha e não vê a representação dela ali, ela acredita que aquela situação que ela está vivenciando, de adoecimento mental ou de ideação suicida, não é compatível com a população a que ela pertence. E foi algo que a gente tentou dentro da campanha corrigir. A campanha que a gente construiu é plural, no sentido de aparecer pessoas negras, pessoas idosas, pessoas jovens, pessoas com corpos gordos. Porque a gente queria realmente mostrar que era um grupo que pensava de forma plural. Eu sempre discuto campanhas de prevenção, tem que circunscrever o público que a gente está trabalhando. Não adianta ser tão amplo. Longe de mim, de falar que a própria literatura internacional da área médica diz que a gente não fala com o público que está com ideação, mas sim com as pessoas que estão ao redor, que é a rede de proteção, elas também passam pelas mesmas situações. Se tu estás falando de um jovem negro de periferia, a rede de proteção dele vai ser uma pessoa negra. Então eu acho que o principal resultado é falar sobre prevenção ao suicídio de maneira empática. Saber com quem você está falando, falar da maneira correta e analisar o contexto que está vivenciando. Porque é importante, se tu teve uma morte por suicídio numa população que você quer trabalhar a campanha, será que aquele é o melhor momento? A gente deixa só, provavelmente, por setembro amarelo para falar sobre suicídio. Existem alguns estudos que falam que há um aumento maior de ligações para o CVV, não é durante o mês de setembro justamente porque elas recebem uma enxurrada de informação sobre prevenção ao suicídio. Se tu consegues dissipar, disseminar essa cultura de olhar para si… E tem uma questão muito complexa, que a gente foi criado numa sociedade capitalista para ser autossuficiente e não pedir ajuda para nada. Então quando tu tenta romper com isso, principalmente quando a gente está falando sobre saúde mental, as pessoas têm muito receio, elas não buscam ajuda justamente por causa desse pré-julgamento, desse estigma. E o estigma é muito maior sobre o suicídio.


Compós: Quais foram os maiores desafios de aplicar uma metodologia tão complexa, desenvolvida por você, em um tema tão sensível como é o suicídio?

Rômulo: Eu sou apaixonado por metodologia. Eu acho que todo mundo que trabalha com recepção é apaixonado por metodologia. Quando eu entrei no PPGCom, lá em 2000, a Nilda (Jacks) ofertou a disciplina de metodologia para nós e foi um divisor de águas dentro da minha trajetória acadêmica. O que é importante na tua metodologia e refletir o que ela vai te trazer como resultado, coisa que é com a maturidade acadêmica que vem, né? A gente pensou enquanto pesquisador, quais são as pesquisas dentro da Comunicação que falam sobre suicídio? Pouquíssimas, tanto que há textos que eu fui conseguir depois da qualificação, que pessoas da minha rede, de um grupo da UFF, que também pesquisavam suicídio, mas não com relação à Saúde, mas Educação. Daí publicaram um texto analisando como que o jornalismo representava a questão do suicídio nas reportagens e eu falei “é da área de Comunicação, por mais que eu estude publicidade, eu tenho que citar ela, porque é uma referência que transita no mesmo campo”. Mas a gente vai ter que abrir a metodologia também para a saúde e ver como que a área de Saúde faz pesquisas com campanhas, e a gente começou a perceber que lá eles têm uma perspectiva de trabalhar com a exposição das campanhas e ter um grupo controle. A gente sanou essa necessidade com uma única pergunta, dentro da entrevista semiaberta, se por algum motivo ele já tinha visto uma campanha de prevenção ao suicídio no setembro amarelo, que tinha passado, e muitos falavam “ah, não me lembro”, “ah, eu vi”. A gente começou a perceber que as pessoas sabiam o que era, que era um mês de prevenção ao suicídio, mas não sabiam quais as instituições promoviam essas campanhas. E daí a gente foi para a exposição. A gente viu a produção de sentidos deles, eles queriam saber informações muito pontuais. “Se o meu amigo tiver uma ideação suicida, onde que eu posso levar ele em Porto Alegre?”. O anúncio que circulou pela prefeitura de Porto Alegre foi o melhor avaliado. Diferente de dados epidemiológicos que foram falados. Porque são alunos de medicina, adoram dados epidemiológicos, para eles é um dado importante, mas eles acharam muito mais relevante saber aonde eu posso levar um colega meu que está sofrendo de um surto e quer ter a morte por suicídio. Isso foi muito interessante. Depois da análise, eu falei para Elisa por que a gente não faz em 5 níveis (internacional, nacional, regional, local e as instituições de ensino do RS)? E ela topou. A metodologia da cocriação foi totalmente inspirada em uma autora australiana, ela também diz que tem que falar com o público, mas a gente falou assim “não tem como a gente replicar as mesmas coisas de uma outra cultura”, então a gente trabalhou principalmente com design thinking. Com um grupo de discussão, a gente sabia que tinha que construir todo mundo junto. A gente também percebeu que na cocriação eles não queriam falar unicamente de prevenção ao suicídio, mas também sobre vida. Então a gente pegou letras de música para trabalhar. Músicas que fizessem eles refletir sobre a vida. Foi algo que a gente tentou pensar de uma maneira complexa… Por que a tese se propõe a isso, se as pessoas lerem a minha tese, conseguem replicar esses mesmos passos em outros lugares do Brasil. Isso é metodologia, você fala os passos que você se propôs a fazer, outra pessoa pode ter essa mesma percepção em outro momento. Mas como a gente lida com pessoas e culturas diferentes em momentos diferentes? Por isso que eu falo sobre a importância dos contextos na pesquisa de prevenção ao suicídio, se eu fosse entrevistar os próprios interlocutores em momentos diferentes, as vivências são diferentes, eles são atravessados por experiências que são coletivas, que vão fazer com que eles tenham percepção sobre aqueles produtos midiáticos de uma maneira diferente. Então eles conseguiriam também interpretar de outras formas aquelas mesmas campanhas?


Compós: Ao longo de toda a nossa entrevista você trouxe esse assunto, mas preciso perguntar. Como você vê a colaboração entre as áreas da Comunicação e da Saúde? Como ela enriqueceu a sua pesquisa?

Rômulo: Eu trabalhei com violência, durante toda meu percurso acadêmico… No TCC foi exploração sexual de crianças; especialização foi sobre cyberbullying; no mestrado apareceu a violência digital… E depois eu fui falar sobre violência auto-infligida, que é o suicídio. Eu sempre pesquisei saúde, só que nunca fui a fundo. Mas foi um empurrãozinho da Elisa falar “tá, vamos lá pra Saúde”. Eu era da Comunicação e Educação, trabalhava com educomunicação, daí eu fui para a Comunicação e Saúde. Eu também digo que a figura do Pedro, enquanto coorientador, foi extremamente importante. Hoje eu me considero um pesquisador de Comunicação e Saúde, principalmente essa questão de saúde mental e prevenção ao suicídio. Faço o máximo possível para tentar fazer com que a minha experiência de doutorado seja compartilhada com outras pessoas e que as pessoas não tenham tanto estigma ao tratar sobre suicídio. Tem lá em uma das epígrafes da minha tese, do Eduardo Galeano, algo como a primeira condição para mudar a realidade é conhecê-la. Então não adianta a gente silenciar a palavra suicídio! Uma das coisas que a gente viu na tese, não falar sobre suicídio e trocar por algo “valorização da vida”. Se você não nomear aquilo, que tem uma palavra na língua portuguesa, e trocar por outra coisa que não é sinônimo, é o antônimo daquilo… Você não vai conseguir chegar nas pessoas. Então, o público faz também muita diferença, o público da pesquisa é um público letrado, mas se a gente vai e pega usuários do SUS… Fico pensando agora “que bom, eu fiz lá no doutorado, mas será que as pessoas que estão indo nas unidades básicas de saúde, no SUS, elas conseguem ler os cartazes do governo sobre prevenção ao suicídio, câncer de mama, de próstata?”. A gente tem uma baixa literacia, alfabetismo funcional, então como que a gente vai fazer? Enquanto pesquisadores da Comunicação? Talvez isso seja uma das próximas pesquisas que eu venha a desenvolver.


Compós: Muito obrigada pelo seu tempo e disposição para conversar conosco. Deixo o espaço aberto para você.

Rômulo: Em primeiro lugar, novamente, quero agradecer a Compós pela possibilidade de falar sobre a minha pesquisa de doutoramento. Eu não tenho como não agradecer a Elisa (Piedras) e o Pedro (Magalhães), né? Eu acho que a gente não chega onde a gente chegou sozinho. A Elisa foi a minha última professora, né? Minha última orientadora. Porque quando tu estás num pós-doc, não tem um orientador, tem um parceiro de pesquisa, um supervisor. Então ali a minha última orientadora foi a Elisa. Eu tenho que agradecer a Michele Negrini, que é professora da UFPel, que foi minha professora também, que me colocou a pesquisar, foi minha professora de iniciação científica. A Liliane Brignol, que também foi minha professora de IC. A Sandra Rubia, que foi minha orientadora de mestrado. Eu acho que elas fazem parte da minha pessoa e eu levo um pedacinho de cada orientadora comigo. Agradeço a todo mundo, a todos os meus professores!

Você pode ler a tese na íntegra, acessando este link.